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Na escola as lições continuavam como se nada
tivesse acontecido, todos pareciam abalados.
Eu fui a única que ficou na Sala de Reuniões. Ser
deixada de lado era um pouco solitário, e, talvez, um pouco assustador; de
algum jeito, eu não conseguia me acalmar. Respirando devagar, eu organizei os
relatórios do dia anterior.
As histórias estranhas e onde aconteciam. O
conteúdo dos relatórios de cada testemunha visual. Eu usei uma cartolina bem
grande e os separei por tipo, e não pude deixar de bocejar.
Ah… Isso não vai prestar. Estou com sono. Na
noite passada fiquei acordada até tarde, e também trabalhei bastante. E agora
estou muito entediada… Não devo dormir. Tenho que me estimular. Se Naru me
pegar dormindo, não sei o que diria.
Fui pega por um forte ataque de sono.
Sem razão alguma, minha garganta ficou
extremamente seca. Eu desejava uma bebida gelada.
Eu lembrei que tinha uma máquina de refrigerante
no final do prédio…
Eu me levantei e fui até o corredor.
Eu olhei vagamente os arredores.
O corredor era amplo e vazio. Não sei se era
porque eu estava viajando ou porque o céu estava escurecendo, mas a visão à
minha frente era uma cena estranha e parada. A luz do sol era bem fraca ao
entra pelas janelas do corredor. O final do corredor estava envolto numa
escuridão misteriosa. Estava coberto por uma cor preta muito forte; parecia que
o anoitecer havia caído só ali. No meio da escuridão havia lago branco se
movendo.
“…?”
O branco era o rosto. Só o rosto era visível já
que ele usava roupas pretas.
O que… Na verdade, era Naru. Não me assuste desse
jeito.
Naru andou devagar até mim. E como se estivesse
sincronizado com seus passos o corredor ficava mais escuro. Na escuridão total,
só a silhueta de Naru era claramente visível.
“O que foi”
Alguma coisa tinha acontecido?
Naru sorriu. Um pequeno sorriso. Então o sorriso
ficou tenso imediatamente.
“Este lugar é muito perigoso… Mai, é melhor você
não ficar aqui.”
“Como pode ser isso?”
“É verdade. Há espíritos vagando por todo o lugar.”
“São tantos assim?”
Lembrei do sonho da noite anterior: espíritos
cobrindo a escola como neve.
“Sim. Embora todos estejam conduzindo exorcismos,
praticamente não há efeito.” Ele disse, franzindo um pouco o cenho. Depois,
“Olhe.”
Ele esticou seus dedos pálidos e apontou para o
chão. Seguindo seu dedo, olhei para o chão negro como piche.
“Ai…?”
Quando recuperei o foco, pensei que o chão tinha
ficado transparente.
Ao lado meu pé, era como se linhas brancas
tivessem sido desenhadas no chão preto, como o contorno do quadrado de um
ladrilho de cerâmica. Abaixo disso, através do chão transparente, o chão do
Segundo andar era visível. Lá também estava tudo envolto pela escuridão. O chão
de lá também estava transparente, e eu podia ver o chão do corredor do primeiro
andar abaixo dele.
“Ai?!”
Quase cai no chão. A sensação era como se eu
estivesse suspense no ar. Se não fosse pela mão de Naru me segurando, eu teria
desabado lá embaixo.
“Não é nada, se acalme um pouco.”
“No que isso se transformou agora?”
Olhei ao meu redor. O céu estava preto. A escola
que era cinza, agora estava preta. Em contraste, o que era preto ficou branco –
as janelas do próximo prédio da escola, as árvores que estavam nuas por causa
do inverno.
O chão e as paredes de todo o lugar ficaram
transparentes. Como se fossem os negativos de uma foto empilhados juntos. As
únicas pessoas que permaneciam nesse mundo de negativo eram Naru e eu.
“Ei, isto é…”
Naru me interrompeu.
“Olhe de perto. Há vários espíritos pairando.”
Olhei ao lado do meu pé. Um espaço escuro e
vazio. As linhas do chão, as linhas das paredes, e os contornos dos prédios –
só esses eram brancos. Como se tivessem sido desenhados com tinta branca num
papel preto – o composto de um colégio transparente. Abaixo do meu pé era tudo
transparente – o segundo andar, o primeiro andar, os corredores, as salas.
Por cima, objetos translúcidos flutuavam e
liberavam uma luz pálida. Eles pareciam ilustrações de espíritos num livro, com
suas caudas brancas, e se moviam como se estivessem fluindo, dez, vinte... Eram
incontáveis. No Segundo andar, bem de frente para mim, havia oito deles.
“Tantos… Todos são espíritos?”
“É verdade. Olhe…”
Naru ergueu sua mão e apontou para fora da janela.
Do lado oposto ao contorno branco que sobrou da parede, estava o prédio onde
ficava o Ginásio. O Ginásio também tinha ficado transparente, deixando só um
contorno branco.
Em frente ao Ginásio tinha uma sala pequena. Essa
era a sala com fechaduras especiais. Havia duas figuras lá dentro. Eram Masako
e Ayako.
Masako se aproximou de um espírito enorme perto
de um armário com prateleiras e parou. Aquele espírito parece maior e mais
escuro que os outros espíritos.
Masako apontou aquele espírito, e Ayako começou a
brandir seu rosário de jade. O espírito escuro e pálido flutuou levemente para escapar,
e saiu pela janela. Nem Masako ou Ayako notou nada disso.
“Como pode ser isso?”
“Ele escapou. Escapou para outro lugar… Olhe.”
O espírito fugitivo continuou voando, e foi para
o Bloco Leste, onde nós estávamos. Ele flutuou para uma sala pequena no fim do
Segundo andar, e passou perto de um espírito branco que vagava numa curva. Aquela era a Sala de Vídeo…
O espírito enorme e o pequeno, foram cercados por
espíritos broncos que circulavam os dois. Suas caudas se entrelaçavam. Logo, o
espírito pequeno foi tragado pelo maior. Parecia que o espírito maior crescera
um pouco, e que tinha fica um pouco mais escuro.
“Que repugnante…”
“Sim. Realmente, é uma visão desagradável:
espíritos devorando outros espíritos. É por isso que eu disse... Que esse lugar
é muito perigoso.”
“Mas…”
“Eles crescem simples assim… Depois…”
Os dedos de Naru desceram até um ponto abaixo dos
pés dele. Através do chão transparente, olhei para uma sala no primeiro andar.
Havia espíritos naquela sala também. Embora eu os chamasse de espíritos, talvez
fosse melhor chamá-los de luzes flutuantes. Um pouco afastado do meu pé, havia
algo que parecia um pedaço pântano escuro, com uma cor agourenta. E era imenso.
Era como se tivessem cavado um poço enorme no meio da sala.
“Aquilo é o mal… você entende?”
“Sim.”
Só a cor já fazia sua pele se arrepiar. Aquilo
tinha um desejo extremamente maligno.
Eu observei o espaço preto, imóvel. Os espíritos
brancos flutuando ao redor da escola – alguns deles foram para o lado das luzes
flutuantes pretas. As luzes flutuantes pulsavam em ritmo como um coração. As
chamas flamejantes se estendiam, surpreendendo os espíritos menores, absorvendo
eles. Era exatamente como uma planta carnívora prendendo insetos mais fracos e
os devorando.
“É melhor você volta.” Naru disse para mim.
“Mas, não posso fazer isso, voltar por mim mesma.”
Naru me olhou preocupado.
“Então precisa que alguém te ensine a reverter o
feitiço.”
“Alguém como eu, é capaz disso?”
“Se fosse uma pessoa mais fraca… Você precisa ter
mais cuidado, e não ir a lugares perigosos.”
“Ok.”
Olhei para meus pés. A estranha cena que nunca
terminava. Luzes flutuantes pretas eram perigosas. Confirmei sua localização.
Havia duas no primeiro andar deste prédio. No Bloco Leste havia cinco. O Bloco
Sul tinha quatro. Enquanto olhava para essas, a área ao lado dos meus pés ficou
mais escura. O cenário que eu via antes lá embaixo ficou mais fraco, a cor
voltava ao chão abaixo de mim. Aos poucos, o chão voltou a entrar em foco.
“…?”
O chão. Azulejos de plástico marrons. Havia piso
por toda a parte.
“Mai!”
Ah!
Ergui minha cabeça e vi Naru. Ele parecia zangado.
“Se está cansada, vá dormir. Sua falha é um
empecilho.”
“Como você fica agressivo de repente.”
“…? Você está acordada?”
Ele me olhou com suspeita. Se eu estou acordada? Definitivamente,
estou…
Ha-
Olhei ao meu redor.
A Sala de Reuniões. A mesa larga. A confusão de
papéis empilhada à minha frente. As plantas dos andares da escola presos ao
quadro branco. E na passagem da porta estava Naru, me encarando.
… … … …
“Desculpe. Eu estava viajando aqui.”
Droga… Estou com problemas.
“Como está indo a organização?”
“Não terminei ainda.”
“Os outros se comunicaram?”
“Acho que não.”
“Você acha?”
Naru me olhou friamente.
“Você está tentando nos ajudar? Ou está tentando
ficar no nosso caminho?”
Esse… Esse cara –
Mas para mim, o investigador preguiçoso que era
pego dormindo, não tinha desculpas.
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